terça-feira, 6 de julho de 2010

Há dias que nos mudam.

Está um calor fora do normal para a hora, são 20:40 quando entro no comboio. O ambiente está estranho, sento-me e ligo a música que me enche os ouvidos. Passados cinco minutos entram de rompante, vindos de outra carruagem, três polícias de metralhadoras  em punho. Baixei o som e tentei perceber o que estava a passar, o barulho era demasiado para conseguir entender qualquer coisa ali no meio. Sou observadora é um facto e foquei a minha atenção nos olhares dos polícias...percebi de onde vinha o problema. Na minha cabeça uma frase ‘Quero sair daqui’. O barulho das rodas no carril fazia-me tremer, não parava, tinha de parar. Saio ou não? De repente ao fundo da carruagem um som. Nunca presenciei um disparo na vida, mas creio que hoje foi a primeira vez. O pânico instalou-se e só foi contido por um polícia que disse alto tratarem-se de balas de borracha. Não acalmei. Só queria sair dali. 

Apercebi-me que tenho medo que alguma coisa me aconteça. Sempre tive a sensação que esse receio apenas se transportava para os que mais amo, mas não. Houve ali uma fracção de segundo que fez o clique. Tenho realmente medo de ir embora, sem me conseguir despedir da família que tenho hoje e conhecer a futura. As portas abriram e dei graças a Deus pelo ar quente da estação. Desci as escadas e nem me lembro da viagem até à fnac. Comprei um livro e agarrei-me a ele como a uma tábua de salvação. Dei-me conta disso quando ia a meio do Chiado e vi que a mão que agarrava o saco estava transpirada, força a mais. 

Subo o eléctrico em modo automático e sento-me. A senhora no banco onde me sentei está atrapalhada, quer atender o telemóvel, não o encontra e a criança que tem ao colo não facilita a tarefa. ‘Quer que pegue nele?’ Nem sei porque disse aquilo, sei que a senhora sorriu e o bebé esticou os braços como se me conhecesse. Fiquei ali sem dizer uma palavra. O livro cai, a senhora apanha-o e fica com ele na mão enquanto decorre o telefonema. Ela tem a minha tábua e eu tenho a dela. O bebé cheira bem, acho que cheiram sempre bem e eu sinto uma enorme vontade de chorar. Devolvo a criança e a mãe agradece tocando-me na mão. Saio e subo a rua. 

O vento ajuda e num acto tão comum em mim abro o livro e começo a ler. Abro a porta, entro e sento-me no sofá. As semelhanças que tenho com o que leio deixam-me em carne viva. Fecho o livro, dispo-me e entro no banho. A água ajuda a salpicar as ideias. Sem saber bem como, a água que tenho na cara já não sai do chuveiro, mas de mim. E se de repente eu visse que tenho medo de morrer? E se aquele meu lado que gosta de estar só me desse um soco no estômago enquanto pego um bebé? E se de repente eu percebesse que sou humana? 

A banheira está vazia, o livro com as palavras que já se entranharam sem pedir licença ao meu lado, a casa em total silêncio e nas mãos uma réstia do cheiro a vida que hoje agarrei.

3 comentários:

  1. Que historia.. sim eu tb penso sempre que apenas me preocupo com a morte de quem amo mas sempre que me sinto em perigo eminente dá-me aquela dor no estomago e aquele arrepio que percorre a coluna e me gela o corpo e sinto.. não, isto não vai acontecer agora..não pode.. O perigo vive ao nosso lado.. nós vamos apenas levando a melhor uma e outra vez. É bom que tenhas este novo sentido da vida, porque não é bom estar meio adormecido para coisas tão importantes.. gostei mto dos pormenores, da escrita. É bom ler-te.

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  2. A única coisa de que devíamos ter medo era de não viver.

    Mas isto é como São Tomás... segue o que ele diz, e não o que ele faz.

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