quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Carruagem 21

O comboio quase perdido deixa de ter pressa quando piso a estação. Os bilhetes passaram a mensagens no telemóvel ou talões de multibanco, mas há uma coisa que não muda: a saudade de quem vai ou fica. O brilho no olhar de quem não sabe se dá um abraço ou um beijo, se diz adeus com a mão ou um até já com piscar de olhos, tudo entra no comboio ou fica caído na estação. Lá dentro procuram-se lugares, empilham-se malas e ajustam-se corpos aos bancos. A música invade os ouvidos e fechamos os olhos. Durante largos minutos o mundo é o que quisermos, o presente é ali e o futuro tem a forma de um carril. A noite cai e o primeiro pé a sair da carruagem é o esquerdo, não gosto do previsível e lá vai disto.

O corpo não mexe, apenas os olhos observam e fixam a imagem: pessoas que esperam, portas de carro abertas, sorrisos rasgados e tudo a que um cenário de chegada tem direito. O meu sorriso também está lá e é o mais bonito de todos. Faz sinal com a mão e o plano muda.

Há lugares que não são lugares. São espaços que partilhamos com algumas pessoas. Situam-se entre os olhares que se trocam, frases que se dizem, a entoação que usamos, o toque, a cumplicidade ou algo cósmico que não se explica, apenas existe. Há lugares que se guardam na pele e na gaveta das pálpebras. São aqueles onde queremos voltar muitas vezes, porque sentimos uma estranha calma que nos deixa respirar e saber que ali somos nós despidos de tudo. E que essa nudez diante de algumas pessoas é natural.

O regresso é em silêncio, daquele que é feito de sons que há horas atrás era audível. Não sabemos se iremos voltar àquele espaço que não é só nosso. Não sabemos se nos querem de volta. A música invade os ouvidos e fechamos os olhos. Fico por momentos na palavra saudade e de como cada um a sente. Abro os olhos e encosto a cara à janela...a noite caiu...não se vê nada, nem o carril que tem saudades do futuro.

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